Estamos no Domingo da Oitava da Páscoa, chamado na Liturgia antiga de “In Albis”. Na santa Vigília pascal os catecúmenos eram batizados; tornavam-se neófitos (recém nascidos). Recebiam, então, a veste branca, que portavam consigo durante toda a semana da Oitava pascal. Neste hoje, após a Santa Missa, eles depunham as vestes batismais. Por isso este Domingo era conhecido como “Dominica in albis depositis”, isto é, “Domingo no qual se depõem as vestes alvas”.
Na Liturgia, há várias referências aos recém batizados. Eis:
(1) A Antífona de Entrada traz os seguintes dizeres: “Como crianças recém-nascidas, desejai o puro leite espiritual para crescerdes na salvação” (1Pd 2,2). É uma clara referência aos recém-nascidos em Cristo, aqueles que foram batizados há oito dias e aos quais Santo Agostinho se dirige no Ofício das Leituras de hoje: “Minha palavra se dirige a vós, filhos recém-nascidos, pequeninos em Cristo, nova prole da Igreja, graça do Pai, fecundidade da Mãe, germe santo, multidão renovada, flor de nossa honra e fruto do nosso trabalho, minha alegria e coroa, todos vós que permaneceis firmes no Senhor”. O puro leite espiritual, neste caso, a verdadeira fé católica na sua integridade e o alimento dos sacramentos que o Senhor instituiu e entregou à Sua Igreja.
(2) Depois, a coleta (= oração do dia), que traz uma maravilhosa referência aos sacramentos da iniciação cristã: “Ó Deus de eterna misericórdia, que reacendeis a fé do Vosso povo na renovação da festa pascal, aumentai a graça que nos destes. E fazei que compreendamos melhor o Batismo que nos lavou, o Espírito que nos deu nova vida e o sangue que nos redimiu”. Compreender não só com a mente, mas com o coração, com a participação piedosa os sacramentos que nos imergem na vida pascal do Cristo Salvador: o Batismo que nos lavou, o Sangue do Cristo, que nos redime, referência à Eucaristia, presentificação real do sacrifício pascal, único e eterno, do Cristo Jesus, e o Espírito que nos deu vida nova, referência ao Santo Espírito dado em cada sacramento, sobretudo no Batismo, como vida nova, na Crisma, como força de Cristo, e na Eucaristia, sacramento do Corpo e Sangue do Senhor imolado e ressuscitado, pleno de Espírito Santo. Viver a vida sacramental é viver no Espírito de Cristo, que nos une realmente ao Salvador.
(3) Ainda uma outra referência aos neófitos encontra-se na oração sobre as ofertas: “Acolhei, ó Deus, as oferendas do vosso povo e dos que renasceram nesta Páscoa, para que, renovados pela profissão de fé e pelo Batismo, consigamos a eterna felicidade”. Que síntese bem feita: a profissão de fé e o Batismo. O Batismo é o sacramento da fé; somos batizados na fé da Igreja, que fazemos nossa. Não existe uma fezinha privada. A fé é pessoal, mas jamais individual e muito menos individualista. Creio na fé da Igreja; creio com a Igreja e como a Igreja; creio como Igreja; minha fé, eu a recebi da Igreja, que a guarda tal qual recebeu dos Apóstolos. Assim, no momento do Batismo, professamos a fé. Pergunta-se se cremos e somos batizados: “Crês no Pai, no Filho e no Espírito Santo?” Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Aparece ainda o tema dos sacramentos da iniciação, conferidos pela Igreja n noite da Páscoa, tal como enunciado na Coleta da Missa. Trata-se do profundo e misterioso texto da 1Jo 5,1-6, que serve de segunda leitura: “Quem é o vencedor do mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus? Ei-Lo, Jesus Cristo, Aquele que veio pela água e pelo sangue; não só pela água, mas pela água e pelo sangue. E o Espírito é quem dá testemunho Dele, porque o Espírito é a verdade”. Qual o significado deste texto? Jesus Cristo imolado e ressuscitado é Aquele que continuamente vem à Sua Igreja pelos sacramentos pascais. Ele vem vindo sempre, sempre se fazendo presente à Sua Igreja, pleno de Espírito Santo vivificador na água do Batismo e no Sangue da Eucaristia. Aquela água e aquele sangue que jorraram do lado aberto do Cristo logo após Ele ter entregado o Espírito (cf. Jo 19,34) são os mesmos que continuam a brotar para a Igreja, jorrando do Cordeiro de pé como que imolado, para sempre diante do Pai (cf. Ap 5,6). A água do nosso Batismo e o pão e o vinho, elementos deste mundo, uma vez “espirituados” pela invocação do Santo Espírito, tornam-se elementos não mais deste mundo simplesmente, mas elementos vindos do céu, diretamente do lado de Cristo imolado e ressuscitado.
Aqui encontra lugar o tema da misericórdia, que o Beato João Paulo II determinou que fosse introduzido neste Domingo da Oitava. Tal tema encontra inspiração nas experiências mística de Santa Faustina Kowalski, a quem Jesus apareceu com dois raios luminosos que brotam do seu Coração, pedindo-lhe que o Domingo da Oitava fosse dedicado à misericórdia divina. Estes dois raios bem podem significar a água e o sangue que brotam do Coração do Senhor imolado e ressuscitado, símbolos dos sacramentos pascais, como já vimos. Precisamente o Batismo que nos regenera, arrancando-nos da miserável situação de pecadores, e a Eucaristia que nos insere de modo total no mistério pascal, mistério por excelência da misericórdia redentora de Cristo, são as máximas expressões da misericórdia divina: “Deus amou tanto o mudo que entregou o Seu Filho único, para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
Assim, aqueles que foram batizados na Solenidade pascal e todo o povo cristão, precisamente ao receber os sacramentos pascais, fazem novamente experiência da misericórdia de Deus, que num Espírito eterno entregou o Seu próprio Filho por nós (cf. Hb 9,14). Este Filho, enviado pelo Pai no Espírito, agora envia toda a Sua Igreja, de modo particular no ministério apostólico, a dar nos sacramentos o Espírito Santo do Ressuscitado, Espírito que nos redime do pecado e nos faz participar da vida divina (cf. Jo 20,22s; At 2,33.38; 5,31s; Tt 3,4-7) para que tenhamos parte na misericórdia salvífica do Senhor. É a vida nova, vida divina que a misericórdia do Senhor nos traz nos sacramentos, que é expressa pela veste alva do nosso Batismo).
Eis, portanto, o mistério deste Domingo da Oitava, Domingoin albis, Domingo da Divina Misericórdia.
Escrito por Dom Henrique da Costa - Bispo Auxiliar de Aracaju
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